quinta-feira, outubro 05, 2006

O inferno são os outros

Eu enxergo um sentido interessante nessa frase do Sartre, "o inferno são os outros". Nem sei se foi isso que ele quis dizer mas, sinceramente, dane-se.


As pessoas simplesmente são diferentes demais. Credos, crenças, opiniões, visões, humores, noções de ética (essas, então, parecem bundas: cada um tem a sua, notadamente diferente das demais). Com tantas arestas e peculiaridades, os conflitos, as diferenças, as guerras, o preconceito e as disputas tornam-se inevitáveis.

Mas o que considero mais interessante de se notar é que mesmo aqueles que nos são mais caros e que apresentam maior compatibilidade (ou menor incompatibilidade) com as nossas singularidades também sejam fonte de muito desgaste e nos obriguem a um cuidado e a um ajustamentos constantes.

Um Padre amigo meu falava que viver é uma experiência solitária. Nenhum outro ser humano, por mais que nos conheça e ame, será capaz de nos interpretar corretamente todas as vezes e de corresponder às nossas expectativas (muitas vezes injustas) o tempo todo. Nós também jamais seremos capazes disso.

Essa consciência não deve ser motivo de tristeza em relação aos outros e ao mundo. Deve, sim, ser motivo de desilusão. Não no sentido pejorativo, mas sim no sentido literal de "desmanche das ilusões". Devemos lutar contra a crença infantil de que alguém (inclusive nós) seja capaz de compreender perfeitamente e de abraçar o mistério que há em cada ser humano.
A consciência de que isso é impossível deve provocar em nós uma maturidade maior, que nos permita reconhecer que não somos perfeitos amigos, pais, filhos, namorados, esposos, colegas, nos levando a aceitar que os outros também não o sejam. Só a partir desta compreensão pode haver perdão.

Precisamos abrir nossos olhos e reconhecer a necessidade de um esforço constante de melhoria das nossas relações. Nossas relações precisam ser (dolorosamente) cultivadas a todo tempo, precisam de cuidado e, sobretudo, muita atenção. Dá-las como "certas", "garantidas" e "estáveis" pode ser algo muito perigoso.

Tem uma passagem na Bíblia que me é muito cara e que fala do nosso eventual encontro com o Criador:

"Agora vemos como em espelho e de maneira confusa;mas depois veremos face a face.Agora o meu conhecimento é limitado,mas depois conhecerei como sou conhecido."

Acho que, somente nesse momento de encarar o Criador, seremos capazes de realmente sermos conhecidos. Somente aí nossa carência mais visceral poderá ser saciada. Enquanto esse momento não chega, e precisamos dispender esse esforço ininterrupto para compreendermos e sermos compreendidos, estamos "condenados" ao inferno dos outros.

(Publicado originalmente por J em 11/07/2006)

Um comentário:

Jorge disse...

[fabiano]
buenas gran hermano ... eu ia comentar justamente o q vc sintetizou na ultima frase ... então faço minhas as suas palavras: Acho que, somente nesse momento de encarar o Criador, seremos capazes de realmente sermos conhecidos. Somente aí nossa carência mais visceral poderá ser saciada. Enquanto esse momento não chega, e precisamos dispender esse esforço ininterrupto para compreendermos e sermos compreendidos, estamos "condenados" ao inferno dos outros ... só acrescento o seguinte ... muitos dizer q suas vidas são livros abertos ... bem aberto ou não, se a vida é minha e se ela é um livro, quem escreve nesse livre sou eu! bjo grande pax

11/07/2006 12:02