quinta-feira, outubro 05, 2006

Ainda sobre a tal festa no outro apartamento

É engraçado como a gente cai nessa pilha. Tem muita gente que se esforça muito para cultivar uma aparência de "normalidade" ridícula, artificial. A gente olha em volta e não consegue ver os problemas que, na nossa vida, são tão presentes. Mas, com certeza, eles existem para os outros também.

Lembro de um colega de faculdade que sempre, antes das provas, ficava com aquela conversa mole nervosa de quem tenta medir o quanto os outros sabem, tentando aparentar saber mais. Quantas vezes não ouvi do FDP do Cajú: "Caraca, vc não estudou esse capítulo??? Estudei isso pra car#%alho, fulano falou que ouviu de beltrano que vai cair com certeza!!!" Toda prova era a mesma coisa, ele botava todo mundo nervoso e achando que ele era o único preparado. Claro, tinha todo um teatro junto com isso, as veias do pescoço inchadas, o olhar vidrado quase alucinado, o jeito de falar rápido e nervoso. O puto era um mestre na arte de botar os outros nervosos. Agora, pergunta se o desgraçado sabia mais que alguém? Nada!!! Era uma porra de um aluno muito do mediano.

Com família então, a maioria das pessoas tende a vestir uma máscara de normalidade. Você vive as misérias da tua família e tenta olhar em volta para avaliar se aquilo acontece com mais alguém, pra saber como é que se supera determinadas crises e até pra encontrar algum conforto e se sentir menos sozinho naquela situação, mas é difícil. Só depois de algum tempo é que se percebe que toda família tem suas merrecas e que é preciso ter muita intimidade e olhar bem de perto para percebê-las.

Aquele filme, "Beleza Americana", para mim, é um exemplo perfeito disso. Uma família destruída, podre por dentro, mas que se amarrava a uma máscara de normalidade, por força da mãe. A mulher não aceitava nem discutir os problemas dentro da família, pois a ilusão tinha que funcionar até pra eles mesmos. O engraçado é que ela mesma traia o marido com um colega de trabalho mas, desde que isso não aparecesse, então tudo bem! Até que, um dia, o pai (o sempre fodaço Kevin Spacey) surta e chuta o pau da barraca, literalmente. É um filme excelente, um dos melhores que já vi.

Eu me preocupo muito em tentar não fazer isso com meus amigos, nas menores coisas. Exemplo besta: arrumar a cama toda, com edredon, almofadas, etc., mas só quando tem visita. Na maioria das vezes, é alguém já íntimo, que não vai sequer entrar no seu quarto de dormir. Arrumar pra quê, então???

Posso ser mal-interpretado com isso, então é melhor explicar: não é uma questão de desleixo, mas uma tentativa de me forçar a não ficar me mascarando para as pessoas que eu gosto e de fazê-las se sentirem mais à vontade, mostrando meus pequenos defeitos, quase que como um "gesto de boa vontade".

Isso é so um exemplo de toda uma atitude de generosidade que eu acho que nós devemos ter em relação a abrir nossas misérias (pequenas e grandes) para as pessoas que nos forem queridas, a fim de que se sintam à vontade para serem elas mesmas conosco também.

É claro que é preciso ter cuidado com isso, pois não dá pra ficar jogando pérolas aos porcos. Mas é um exercício que eu acho que vale muito a pena.

(Publicado originalmente por J em 28/07/2006)

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